A falácia da igualdade

Desde que foram aprovadas as recentes alterações ao Código da Estrada, que recorrentemente na Comunicação Social (e em diversos foruns, conversas e afins) surge a ideia de que agora as bicicletas são equiparadas aos automóveis, e que se têm os mesmos direitos também devem ter os mesmos deveres.

Ora o primeiro erro começa no facto de as bicicletas não serem equiparadas aos automóveis. Pelas suas características são veículos muito distintos, e essa diferença está presente em todo o texto do Código da Estrada. Tal como há diferenças entre veículos ligeiros e veículos pesados, por exemplo.

O segundo erro é achar-se que os direitos e as regras são iguais. Sim, os cidadãos devem todos ter os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Mas a lei prevê que perante determinadas condições, o tratamento e as condutas devem ser ajustadas às mesmas. Quando alguém empunha uma arma (mesmo que esteja devidamente autorizado), automaticamente torna-se o principal responsável pelo bom uso desse objecto que pode tirar vidas.

Ao longo de toda a redação do Código da Estrada, podemos encontrar referências à conduta que os condutores devem ter, em especial  a atenção e prudência perante a presença de utilizadores vulneráveis (não esquecer que os utilizadores vulneráveis incluem peões e velocípedes). Há muitas regras que apenas se aplicam aos condutores de veículos automóveis, recaindo sobre eles uma responsabilidade sempre maior. Para além disto, “As coimas previstas no presente Código são reduzidas para metade nos seus limites mínimo e máximo quando aplicáveis aos condutores de velocípedes” (Art. 96.º). Temos portanto a legislação a exercer uma discriminação positiva em relação aos utilizadores de bicicleta. E porquê? Os motivos serão muitos, mas sem dúvida que foi tida em conta a diferença de responsabilidade que tem um condutor de um veículo com um potencial letal elevado (veículos automóveis) face à fragilidade que tem o condutor de um velocípede. Quanto a seguros, licenças de condução e afins, já abordámos este assunto inúmeras vezes: aqui, aqui e aqui, pelo que não irei voltar ao mesmo.

Com isto não se quer isentar os utilizadores de bicicleta das suas responsabilidades no cumprimento do Código da Estrada, mas deixo a pergunta: se a falta de cumprimento da regras do CE por parte de alguns ciclistas gera tanta indignação, onde está essa mesma indignação perante o incumprimento sistemáticos que a maioria dos condutores de automóveis faz dos limites de velocidade (entre muitas outras ilegalidades)? No mínimo daria lugar a uma revolução!

601042_632198980157774_1985831498_n[1]

EDIÇÃO POSTERIOR: para quem acha que o nosso código mudou para mal, e que estas alterações não fazem sentido, é importante frisar que a Convenção das Nações Unidas sobre o Trânsito Rodoviário (Viena, 1968), desde a alteração de 1993 passou a incluir no nº3 do Art.7º a referência aos cuidados acrescidos que devem ser tidos em relação aos utilizadores vulneráveis:

3. Drivers shall show extra care in relation to the most vulnerable road-users, such as pedestrians and cyclists and in particular children, elderly persons and the disabled.

 

 

4 pensamentos em “A falácia da igualdade

Os comentários estão fechados.