Segurança rodoviária

Legislação, fiscalização e alteração de comportamentos (na perspectiva de crescimento inteligente – “smart growth”).

Passados mais de dois anos desde que entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada, a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) mantem a percepção de que as mudanças então introduzidas na legislação, foram muito positivas na melhoria das condições de segurança para os utilizadores de bicicleta. Mas os comportamentos não mudam por decreto, e ainda há muito a fazer para que o espírito que esteve por detrás desta revisão (que politicamente reuniu um consenso alargado de todas as forças partidárias), se possa refletir de uma forma mais abrangente na vivência rodoviária não só nas estradas, mas especialmente nas ruas.

Não podemos ignorar o que sucede pelo mundo fora em relação à segurança e ao ordenamento rodoviário, em especial as boas práticas de referência que se podem observar União Europeia para se combater as externalidades negativas (ver Figura). Nesta perspectiva, a bicicleta está a ganhar um papel cada vez mais importante na vida quotidiana das cidades e vilas, e urge encontrar soluções integradoras para os problemas que aos poucos vão surgindo: para os utilizadores de bicicletas, para os demais cidadãos que (ainda) não o são, para os automobilistas e para os decisores e projetistas responsáveis pelo ordenamento da ocupação e usos do solo e do sistema de transportes.

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O elevado volume de circulação automóvel e a intensidade horária, em particular nos períodos de ponta, são o resultado da forma como as cidades foram crescendo,  planeando transportes e gerindo a mobilidade, muitas vezes sem que as políticas escolhidas tenham em conta qualquer estratégia de sustentabilidade. Nesta perspectiva, a redução de acidentes torna-se evidente quando se passa dum crescimento descontrolado, como o que acontece com a dispersão urbana, para um crescimento mais compacto da cidade:

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Felizmente, por cá, os acidentes graves envolvendo bicicletas são ainda estatisticamente pouco relevantes e os dados mais recentes apontam para uma significativa redução no número de mortes.

Mas, pela sua singularidade acabam por captar uma atenção considerável e apesar da grande maioria das mortes na estrada continuarem a ocorrer tendo como principal causa os veículos motorizados, qualquer vítima (mortal ou não) de acidentes envolvendo velocípedes não pode ser ignorada.

O crescimento da bicicleta como meio de transporte no dia-a-dia reflete-se num crescimento dos números da sinistralidade a ela associada. Tendo em conta que a repartição modal da bicicleta tem crescido de uma forma francamente consistente, podemos observar que a sinistralidade embora tenha também aumentado, não acompanha esse crescimento da mesma forma – pelo mundo fora esta tendência confirma-se e é conhecida como “segurança pelos números”. A bicicleta revela-se assim não só como um veículo seguro, mas também um veículo que contribui ativamente para uma maior segurança no ambiente rodoviário.

Tudo isto não impede que comportamentos desviantes e reprováveis dos condutores rodoviários (ex: velocidades elevadas), especialmente no contexto da dispersão urbana, contribuam para que haja situações de perigo efetivo e que infelizmente vamos tendo conhecimento. Tanto da parte de condutores de veículos motorizados que colocam utilizadores de bicicleta (e todos os demais atores do ambiente rodoviário) em perigo, como da parte de quem anda de bicicleta e que se coloca a si e aos outros em perigo. A FPCUB continua a defender a necessidade da formação rodoviária começar o mais cedo possível, integrando esta componente de uma forma séria e consistente nos currículos escolares do Ensino Básico, à semelhança do que é prática nos países de referência em termos de segurança rodoviária, dos quais o exemplo holandês é incontornável. Esta poderia integrar a disciplina de Educação para a Cidadania como módulo autónomo.

Para além da formação dos mais jovens, há que tomar medidas que se traduzam em resultados mais céleres – principalmente pela falta de informação, sensibilização e fiscalização. O desconhecimento das alterações ainda é uma constante, algumas confusões sobre o que realmente mudou, e infelizmente alguma agressividade por parte de quem não simpatizando com a bicicleta, se considera acima da lei utilizando o automóvel como arma – mesmo sendo poucos, tais comportamentos são altamente perigosos e podem em muitos casos ter consequências gravíssimas, e os quais deveriam ser tratadas no âmbito da responsabilidade criminal. Contra estes casos, é  urgente uma fiscalização cerrada e uma política de tolerância zero em relação a comportamentos manifestamente perigosos ou agressivos. O excesso de velocidade é seguramente a maior causa de perigo rodoviário, e como já tantas vezes alertámos, é em Portugal tolerado de uma maneira inaceitável:

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Toda esta mudança de paradigma necessita de alterações físicas, principalmente nos aglomerados urbanos, onde planeadores e decisores devem fomentar campanhas de “Visão Zero”, tal como estão a ser implementadas em cidades como Nova Iorque.

Nesse sentido, urge a publicação da regulamentação específica que possa conferir aos decisores e técnicos das autarquias, ferramentas para poderem tornar as vilas e cidades mais amigas da bicicleta.

O IMT já publicou no Pacote de Mobilidade uma série de brochuras técnicas que vão ao encontro dessa necessidade, mas o Regulamento de Sinalização de Trânsito ainda não foi atualizado e continua a ser um obstáculo para a introdução de diversas melhorias no tecido urbano.

O país está a mudar, e a bicicleta faz parte dessa mudança. O estado e a sociedade civil têm de acompanhar (e promover) tal evolução.